O dia que a chuva caiu .



Na saída da escola eu corria para esperá-lo passar.
Nunca falava com ele. Bastava-me apenas olhá-lo.
As meninas bonitas faziam o rir, e eu pensava : "Como eu gostaria que ele sorrisse para mim."
Eu sabia que se abrisse a boca, ele iria rir de mim, e não para mim.
Afinal como era mesmo a palavra que me definiam ? Hum.... era algo com "P". Ah sim, lembrei-me!
Patética . Eu era patética aos olhos gerais e cheguei a acreditar nisso por um tempo.
Diziam que eu suscitava pena e tristeza por gostar tanto dele e achar que a possibilidade da troca de sentimentos fosse real, portanto patética.
Horas eu passava a fitá-lo no recreio, ele sempre sorrindo irônico para aquelas ninfetas. Folhas e mais folhas dos meus cadernos arranquei para guardar escondidas. Todas envolviam ilusões minhas sobre ele e eu. Depois eu me lamentava por tantos papéis aninhando traças, eu tinha contribuído para dizimar muitas árvores. Pobrezinhas.
E ainda me envolvia a escrever as cartinhas que jogava no armário dele, sem ninguém estar observando. Assinadas com " sua admiradora secreta."
Algo me impedia de ir além e cumprimentá-lo. Comovia-me com apenas espiá-lo.
Meu amor platônico por ele era motivo de diversão de muitos. Certamente até o meu princípe sabia dos meus sentimentos. Eu tremia a pensar se ele ria humilhantemente de mim quanto a essas verdades.
Minhas respostas vieram e meus soluços baixos se foram no dia em que a chuva mais fria e maravilhosa caiu.
Aquele foi o dia.
Eu estava no portão esperando-o passar como sempre fazia, mas chovia. Eu não havia levado meu protetor de gotas . Ora, pois é isto que aquele chapelão com arames é : um protetor de gotas. 
Enquanto aguardava-o e rezava para a chuva findar-se, eu olhava entre o buraco do muro e as nuvens no céu. Elas eram cinzas, de uma nebulosidade aparente, amedrontadora e terrorista. Sentia-me levemente encharcar.
E entre uma espiada no céu e no muro, a sombra do meu mancebo surgiu à minha frente. Corei.
_ O que está fazendo? - perguntou-me curioso.
_ Es-es-pe-perando. - gaguejava trêmula.
_ Esperando alguém? - ele continuava olhando minhas íris profundas e desesperadas.
_ Não.
_ Esperando o quê então ? - agora ainda mais curioso encarava-me sério.
_ A chuva passar. - respondi tentando fazer a verdade furtiva.
_ Quer uma carona no meu guarda-chuva? - ele olhava-me sorridente e radiante.
_ Porquê? - e eu me arrependi de não aceitar logo, ele poderia desistir.
_ A chuva não vai passar, só está piorando. Mas se você prefere se molhar... - ele brincava, mas eu não sabia.
_ Tudo bem, eu aceito sim! Obrigada.
Dito isso fomos embaixo da mesma armação de pano.  Ele demonstrava uma face esperançosa. E continuou o diálogo, eu achava ter perdido a minha voz. Mas só achava.
_ E então, qual seu nome?
_ Carol.
_ Eu sou o Marcelo.
_ Eu sei.
_ Sabe Carol, você é diferente das outras meninas.
_ Como assim?
_ Você só me observa, não fala comigo e nem me diz as coisas estúpidas e fúteis que elas dizem. Você é inteligente e engraçada. Vejo isso quando observo você com suas amigas. E gosto das suas roupas. São ...
menos rosa que a das outras.
Ele sabia mais de mim mesmo do que eu poderia imaginar. E como se não bastasse, sabia que eu observava.
_ Me disseram que você gosta de mim, mas acho que é mentira. - ele soltou a frase seguida de um suspiro.
_ Porque você acha isso? - eu agora precisava da resposta.
_ Você não se aproxima . Não quer ser minha amiga? - seus olhinhos melados, pois eram cor de mel, me observavam apreensivos.
Demonstrei um sorriso alto, largo e brilhante.
_ Quero sim.
Então ele beijou meu rosto.
Nada mais foi dito, apenas ouvímos os pingos da água grossa caindo no chão. Ele me abraçou para cabermos melhor naquele espacinho que eu desejava que encolhesse com tanta água. Éramos amigos então. E era o bastante por hora, eu sempre esperei. Esperei o olhar dele, o sorriso, a fala, o toque. Esperei ele passar por mim todos os dias. Eu aguentaria esperar mais, eu teria paciência para o que eu tanto queria.
Pois se fosse amor recíproco e verdadeiro, o tempo iria consolidar.

Comentários

  1. "Ora, pois é isto que aquele chapelão com arames é: um protetor de gotas" AMEI isso, você não faz ideia!!!

    "Éramos amigos então. E era o bastante por hora [...]" isso se encaixa muito na minha vida agora. E isso "Pois se fosse amor recíproco e verdadeiro, o tempo iria consolidar" foi uma verdade dita nua e crua, direta, e bela. Todos deviam se lembrar disso, sabe?

    Esse texto é meigo, bem escrito, não é clichê e mostra uma das várias faces do amor. Adorei!

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  2. Adoro quando tu adoras minhas palavras e entende as entrelinhas ! Posso te contar um segredinho ? "Ora, pois é isto que aquele chapelão com arames é: um protetor de gotas." Pensava em você falando isso, na verdade escrevendo né. LEmbrei-me de seus textos e pensei "A Lets se identificaria." Rsrs' Viu como também aprendo contigo? E novamente ressalto a minha satisfação de por menor que seja, ter conseguido de alguma forma capturar uma identificação real ou sentimental entre o texto e suas vivências pessoais. Nos traz a impressão, ou melhor, a certeza de que realmente há sentido e sentimento naquilo que estou escrevendo. E quanto a frase final, se as pessoas tivessem menos pressa e se conformassem apenas com o "fazer bem" do "estar ao lado", todas as relações seriam muito mais sólidas na vida.
    Muitoo obrigada mesmo Lets! Eu fiquei preocupada em realmente não soar "clichê" , mas quando escrevo, eu simplesmente, escrevo. hehe' BeijosMil :**

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  3. Ora, que lindo você pensando em mim! Mas acertou, me identifiquei KKKK Você não faz ideia de como logo depois de postar o comentário alguns fatores que apareceram fizeram com que eu me identificasse ainda mais com o texto KKKK Sim, escrever e atingir alguém é tudo o que a gente quer :) Concordo, o imediatismo da galera atrapalha as relações.
    Que obrigada o que, estou só falando fatos KK beijoos

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  4. Eu sabia que era a sua cara ! hehe' E é claro que agradeço, principalmente pela sinceridade . Beijos :*

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